sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A Arquidiocese de São Paulo e a ditadura militar...



Por Fernando Geronazzo


A Igreja Católica sempre esteve presente nos grandes acontecimentos da História. Esta instituição de dois mil anos caminhou com a história da humanidade e, portanto, colaborou na construção da identidade dos seres humanos. Desde a organização social, na formação dos valores e, sobretudo, no campo do conhecimento.

No caminhar da História a Igreja se relacionou com as instâncias do poder de diversas maneiras. Durante os primeiros séculos do cristianismo, incomodava o poder romano que a perseguida. Na Idade Média, o Estado se confundia com a Igreja, que detinha certo domínio da sociedade. E mesmo depois continuou exercendo forte influência nas instâncias governamentais.

No Brasil, não foi diferente, a Igreja chegou com os portugueses e ajudou a construir a identidade desta nação. Participou de cada momento do nosso país, dando sua contribuição, seja no Brasil Colônia, Império ou República. As grandes decisões tomadas no Brasil tiveram a participação, opinião, e até a iniciativa da Igreja.

Quando analisamos o panorama do Brasil nas décadas de 60 e 70, percebemos o grande papel exercido pela Igreja Católica na transformação da realidade que se configurava. Vemos a evolução da reflexão crítica desta instituição que se tornou praticamente a única instância capaz de combater o regime que estava se instalando no país. O Brasil adentrava num período considerado por muitos como de “trevas”, em que a liberdade e dignidade humanas estavam ausentes do vocabulário e da consciência daqueles que detinham o poder no país.

Uma verdadeira ideologia disseminava sobre a população a tensão existente no mundo com a “Guerra-fria”. Foi articulada uma verdadeira conspiração para derrubar o então presidente da República João Goulart, mobilizando a sociedade brasileira para apoiar os militares na tomada do poder. Esta ideologia foi reforçada principalmente após a consolidação deste poder, a fim de manter a “estabilidade” do regime.

No mesmo momento, a Igreja universal passava por uma fase de mudanças com o início do Concílio Vaticano II. Era chamada a rever sua identidade e sua atuação no mundo. A situação do Brasil era ambiente propício para pôr em prática as primeiras reflexões do Concílio. Nesse período, em São Paulo, maior cidade do país, ficava a maior arquidiocese do mundo que crescia cada vez mais com a cidade, presenciando todos os excessos do novo regime.

De fato este foi o período mais crítico da sociedade brasileira. Não havia mais liberdade de expressão, nem liberdade de ir e vir. O poder que se apresentava como solução para aqueles que temiam o “fantasma” do comunismo, tornou-se o verdadeiro “terror’ na nação. Pelo simples preço do poder, a verdade e a liberdade de um povo foram esquecidas. O brasileiro não tinha mais o direito de pensar.

Mas diante da repressão surgia quem podia representar e dar voz àqueles que não podiam se expressar. A Igreja Católica, sob o impulso dos novos ventos do Concílio Vaticano II aprendia a ser Igreja no século XX, aprendia a ser Igreja no Brasil. Assumindo seu papel como construtora e transformadora da sociedade. Transmitindo através do Evangelho a dignidade humana.

Ao passo que ia tomando consciência da verdadeira face do regime a Igreja ia amadurecendo e conquistando o espaço daqueles que, mesmo de dentro dela, ainda não haviam despertado para esta realidade e, por isso, apoiavam o novo regime.

Ao analisar o confronto entre a Ideologia consolidada pelos militares e a ação pastoral da Igreja de São Paulo na primeira década da Ditadura Militar, percebe-se o desenvolvimento pastoral desta Igreja particular estimulada pela análise da realidade vivida na cidade. Ao mesmo tempo em que refletia sobre sua existência e identidade como instituição comprometida com a transformação da sociedade. Era como se voltássemos à experiência da Igreja primitiva, onde em torno da Palavra os cristãos encontravam forças para lutar contra um sistema que os oprimia.

A sociedade paulistana ganhou forças juntamente com a Igreja, ambas fragilizadas pela novidade, tanto do regime, como do Concílio, mas imbuídos da esperança de encontrar o seu espaço concreto. Nascem a “Juventude Católica”, as “Comunidades Eclesiais de Base”, a “Operação Periferia”, a “Comissão de Justiça e Paz” e tantos outros frutos. Grandes intelectuais e notáveis políticos também surgiram nessa época em meio a esses movimentos. A imprensa tinha na Igreja uma grande aliada, pois muitas vezes os púlpitos eram os únicos veículos de informação para a população.

De fato a Igreja de São Paulo, na pessoa de seus padres, leigos e, sobretudo na figura do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, deixou um registro positivo nas páginas da História do Brasil. Registro este que suplanta a marcas negativas deixadas pelos oficiais militares que souberam consolidar uma ideologia capaz de promover a morte. Prova-se que também é missão da Igreja se engajar de forma crítica no desenvolvimento sócio-político de uma nação, pois assim ela promove a vida plena para todos, portanto constrói o Reino de Deus.


Fernando Geronazzo

Baseado no seu Trabalho de Conclusão de Curso na Graduação em Filosofia do Centro Universitário Assunção em 2006 com o tema: “A Arquidiocese de São Paulo e a Ditadura Militar - O confronto entre a Ideologia Militar e a prática pastoral da Igreja de São Paulo no período de 1964 à 1974.”Orientador: Professor Domingos Zamagna

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