terça-feira, 2 de novembro de 2010

Obrigado por me ajudarem a decidir o meu voto

Caros amigos a quem possa interessar,
 
Quero, nesta carta, agradecer sinceramente pela imensa colaboração de vocês para que eu pudesse escolher serenamente em quem depositar a confiança do meu voto.
Devo reconhecer que quando a campanha eleitoral se iniciou as ideias quanto a um candidato estavam ofuscadas. Tanto que no primeiro turno meu voto foi para a terceira opção apresentada entre os candidatos, pois, queria manifestar que não concordava com os dois que estavam à frente nas pesquisas de opinião.
Mas sempre tive bem claro que não carregava em mim alguma ilusão messiânica acerca dos candidatos. Sempre soube que o atual contexto eleitoral não me ofereceria candidato que correspondesse plenamente da real necessidade do país.

Porém, aos poucos, a situação começou a ficar cada vez menos obscura para mim, sobretudo quando começou a campanha para o 2º turno. Graças a muitos de vocês eu fui motivado a prestar mais atenção em uma das candidatas. A “militância” que se insurgiu, utilizando de todos os meios possíveis e impossíveis, para tentar convencer a mim e a muitos outros de que eu não deveria votar em Dilma Rousseff me motivou a prestar mais atenção nas motivações que os levavam a tal comportamento, mas, principalmente a prestar mais atenção na candidata.
A maneira acalorada, por vezes, desesperada com que me encaminhavam e-mails, publicavam-se artigos, enfim, promoviam uma verdadeira campanha em prol da “libertação” da sociedade, me estimulavam cada vez mais a conhecer o que tanto a candidata lhes incomodava.

Quando começaram os discursos apelativos como os sobre a origem “guerrilheira” da senhora Dilma, aí eu realmente me interessei em entender esta afirmação. Para surpresa minha, descobri, sem nenhuma dificuldade, que ela foi uma daquelas que resistiram ao regime de exceção instaurado com o golpe militar de 1964, chegando a ser presa e torturada, como muitos outros que ajudaram na luta pela democracia que hoje nos permite poder debater e questionar o governo. É... A liberdade que vocês não teriam para se expressar como o fazem, caso tivéssemos continuado sob o jugo do regime militar.

Automaticamente, ao exporem esse dado do passado de Dilma, fui obrigado a me remeter aos tantos depoimentos que ouvi durante minha pesquisa para o meu trabalho de conclusão da graduação em filosofia, em 2006, quando abordei “o conflito entre a ideologia militar e a prática pastoral da Igreja de São Paulo na primeira década do regime militar”, orientado pelo ilustre professor Domingos Zamagna, jornalista, ex-dominicano, e testemunha ocular do regime militar.
Tive que me lembrar dos relatos que li e ouvi sobre religiosos, clérigos e leigos, que eram presos na porta das faculdades de filosofia e teologia, pois os militares consideravam subversivos tais ambientes acadêmicos. Quantos irmãos nossos na fé foram presos e torturados, levaram choques elétricos nos testículos, eram literalmente “empalados” com uma barra de ferro no ânus. Isso! Mulheres eram estupradas na prisão e humilhadas, confinadas em cubículos que, hoje, qualquer um pode conhecer. O Memorial da Resistência, na Estação Pinacoteca, no centro da cidade, é um dos lugares que preservam essa memória. Sim. Lá que é possível ver, entre tantos nomes rabiscados na parede de um desses cubículos, o nome da senhora Dilma.
Graças a vocês também pude recordar as histórias que ouvi algumas vezes do cardeal arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, sobre os “anos de chumbo”, em que a Igreja era perseguida tal e qual qualquer outro movimento que questionasse os excessos do governo. Ele mesmo, como pastor daquela que era a maior arquidiocese do mundo na época, entrou muitas vezes nestes presídios para retirar presos políticos agonizantes.
Falo de um período em que o crime era se opor ao regime. Um período onde Dilma, Serra, FHC, frei Tito, Vladmir Herzog, Santo Dias e tantos outros eram, mesmo que em proporções diferentes, “inimigos do Estado”. A diferença é que o senhor Serra, por exemplo, exilou-se no Chile, como tantos outros que ficaram fora do país, outros ficaram aqui, com o povo, sofrendo a opressão...
Foi nesse contexto que a ação pastoral da Igreja começou a se descentralizar. Talvez a comunidade paroquial que você frequenta nasceu nesse período em que a Igreja respondia aos limites do regime com a ação pastoral.

A manifestação de vocês nesse sentido me estimulou a valorizar organismos como o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, ou a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese, ambos instalados lá na Cúria Metropolitana, sede do arcebispado de São Paulo. Lá há muitos arquivos de processos e históricos de tantos desses “ex-guerrilheiros” que vocês condenam. Quem quiser conhecer estou por lá todos os dias da semana.

Outro aspecto, pelo qual sou muito grato a vocês por terem me chamado a atenção, é quando as suas manifestações começaram a girar em torno de que a eleição de Dilma daria continuidade ao governo paternalista e assistencialista de Lula. Puxa vida! Como eu lhes agradeço por me chamarem atenção a isso. Pois comecei a observar quantas coisas esse governo fez para combater a pobreza, para devolver ou, para alguns, dar pela primeira vez, condições dignas de se viver. Sem a ingenuidade de achar que isso basta, pois, como disse acima, não deposito expectativas messiânicas em nenhum governo.
Em contra partida, fui estimulado a prestar atenção naquilo que o candidato concorrente, que alguns de vocês me apresentavam como solução, fez para esse desenvolvimento aqui no Estado e no município (no pouco período que esteve à frente da prefeitura).
Caramba! Não precisei esmiuçar muito para ver coisas que me desagradaram.  Bastava eu ver minha irmã, de 11 anos, que estuda em escola estadual, a mesma em que estudei parte do ensino fundamental, e perceber que lá não há os tais computadores, não há livros didáticos para todos os alunos – tanto que algumas vezes eles têm que usar livros do ano acadêmico anterior. E, o mais grave, professores despreparados, com limites até de formação básica.  Bem, quanto a isso não posso ir longe, fiz estágio para obter licenciatura em filosofia e vi a realidade dos bastidores de uma escola pública de São Paulo. Vi alunos do terceiro ano do ensino médio que não sabem ler por causa da tal progressão continuada. Sem contar a Saúde. Estou há quase 2 meses com um curativo no dente esperando para poder simplesmente agendar uma consulta em um dos ambulatórios de especialidades médicas do governo do Estado, para marcarem uma consulta quem sabe para depois do Natal. Mas, enfim, não vou me delongar nessas observações, pois são muitas.

Ah! Mas certamente o que mais me estimulou a observar a candidata foi quando a coerência de vocês foi colocada em cheque. Isso sim! Quando resolveram introduzir no debate político a defesa da fé e dos princípios. O empenho de alguns de vocês que, como “arautos da verdade suprema”, começaram a “profeticamente” denunciar o mal existente na candidata e no seu partido, aí sim eu me confrontei com a libertadora experiência da verdade.

O aborto e a defesa da vida entraram em questão, polarizando o debate eleitoral, ao se afirmar que a candidata Dilma Rousseff e todo o seu partido são a favor de tal ato. Com sua eleição, em qualquer esquina da cidade haveria uma clínica de aborto. Alguns chegaram a me mandar vídeos que mostravam fetos espalhados em todos os cantos e tudo mais.
Mais do que me limitar na questão do aborto, que é inquestionável para mim, sou contra e ponto, vocês me ajudaram a perceber que o debate é pertinente e urgente, no que diz respeito às políticas públicas relacionadas à preservação da vida. Fizeram-me com que me espantasse da maneira como abordavam o crime do aborto, às vezes enfatizando mais que a mulher que abortava, seja qual for a circunstância que a levou a isso, antes de ser atendida como uma pessoa, deveria ser tratada como criminosa.
Tal questão também me fez pensar que a defesa da vida, por vezes, é reduzida apenas à realidade do aborto. Dificilmente ouvi dos mesmos “arautos da verdade suprema” um discurso inflamado quanto ao que acontece com garotas de 5, 6 anos de idade  entre 7 e 10 anos e, em alguns casos, até 5 anos de idade que cobram 1 real para “chupar” (como estas mesmas crianças se expressam) um caminhoneiro na beira da estrada. Não ouvi de muitos de vocês, manifestos, cartas abertas, e-mails e artigos em que exigissem dos governantes uma educação de qualidade que valorize a vida e dignidade de nossas crianças e jovens. Também não ouvi nenhum barulho dessas pessoas questionando a maneira abusiva com que nossos trabalhadores são tratados. Isso é defesa da vida também! E quanto à saúde pública? É curioso que não consegui ver dessas mesmas pessoas um debate inflamado em relação ao atendimento nos hospitais públicos a nossa volta.

É muito interessante! Vocês que tentaram me convencer que a Dilma era a personificação do demônio e do mal, mostraram um outro lado, não dela, de vocês. Sabem por que cada vez mais pessoas elitizadas, politizadas e estudadas entram no debate da defesa da vida (apenas em relação ao aborto)? Cada vez mais me convenço que esse debate para muitos é como que "abstrato", etéreo, pois não se vê esse crime a olho nu, por aí. Pra muitos, é muito mais cômodo e fácil se engajar nessa luta, pois fica sempre no campo do discurso.

Agora, quando se trata de todas as outras dimensões da defesa da vida, o engajamento fica para poucos. Quando se trata de ver com os próprios olhos a vida sendo ferida, massacrada, violada, não vejo esses mesmos “arautos” indo ao encontro dessas realidades. Da mesma forma que são muito poucos aqueles que acolhem consigo as mulheres que se decidem a não abortar, ou as crianças que tiveram o seu direito de nascer respeitado. Não vejo muitos acolhendo esses filhos de Deus indefesos que escaparam da morte cruel do aborto. Alguns desses defensores da vida são os mesmos que ignoram aquelas vidas que encontramos nas beiras das esquinas de nossas cidades. Isso sim é demagogia!

Vejam, em nenhum momento o aborto pode ser considerado ou justificado. Essa é aminha opinião. Mas eu me revolto em ver que minimizam a amplitude da defesa da vida apenas a este foco. E, pautados por esse desejo parcial de defesa da vida, essas pessoas se fecham para o grave problema das mulheres que infelizmente não foram tocadas pela luz do Evangelho e, com lei ou sem lei, recorrem a essa prática, pois não tiveram orientação nenhuma e, muitas vezes, suas próprias vidas não foram valorizadas e defendidas o suficiente no passado. O que a sociedade, composta por cristãos e não-cristãos, crentes e não-crentes, precisa entender é se é justo, evangélico e humano apenas abordar essa mulher como criminosa. Será que compete ao Estado julgar uma mulher e punir, quando não lhe é oferecida condições de ser humana o suficiente para não chegar a essa situação? É pra debater sim sobre o aborto. É pra questionar sim sobre o tema. É pra lutar sim pela defesa da vida, mas que seja com coerência e em todos os níveis.

Mas, voltando ao meu agradecimento, vocês contribuíram para que cada vez mais decidisse depositar meu voto em Dilma, pois vocês fizeram o favor de não só polarizar o processo político eleitoral, como concentraram essa questão apenas na Dilma, ignorando ou fazendo vistas grossas ao posicionamento dos demais candidatos.

A mídia e parte da sociedade acusam a Igreja institucional por tornar o pleito de 2010 o mais vergonhoso da história. Não concordo! Por mais que a alguns bispos tenham mostrado parcialidade em seus discursos ou que o conceito de unidade do episcopado tenha sido questionado, a posição da CNBB foi clara e compreensível. Vocês, que travaram essa batalha, é que instrumentalizaram e tripudiaram em cima desse suposto "conflito" entre os prelados, inserindo até um discurso pastoral no Papa na história. Quem regurgitou as notas e declarações, quem disseminou o medo e o terrorismo, quem fez uma “guerrilha” não armada, mas de coação e desrespeito a liberdade democrática do voto, foram muitos de vocês. Literalmente “catando” frases soltas e descontextualizadas de bispos e tentando espalhar a discórdia entre um episcopado que eu acredito que saiba dialogar maduramente.

Por isso agradeço, pois a incoerência de vocês (repito, os que tentaram me convencer a não votar na Dilma) me ajudou a perceber que ela merecia o meu voto, pois sua proposta se identificava muito mais com a necessidade do povo brasileiro, pois, a meu ver, o outro candidato só tem contato com o povo a cada 4 anos nas campanhas. Ou, se quiserem interpretar assim, que seja a “menos pior”. Ah! Quanto às propostas, tenho que reconhecer que também graças a vocês, elas foram mínimas, pois vocês só tinham interesse em um único assunto.

Mas foi graças a vocês e a maneira simplista de militar que eu e mais 55.752.528 de brasileiros decidimos pela continuidade, decidimos em permitir que haja debate em questões polêmicas, que decidimos que, independentemente de leis civis, é pelo anúncio no púlpito e no testemunho que as pessoas mudarão o coração e seguirão aquilo que acreditam como verdade. Não é no medo, não é no “lobe”, não é no discurso barato e fundamentalista que se chegará ao Reino dos Céus.

Bem, muitos outros aspectos da candidata foram ressaltados por vocês, mas já notaram o quanto este texto está longo. Faltou que eu falasse dos casos de corrupção. Mas para que meu comentário sobre este tema seja coerente, teríamos que levantar todos os casos de corrupção e investigar a conclusão de cada processo, seja contra  situação, ou mesmo contra a oposição (afinal, não dá pra negar que a corrupção tem atingido todas as bases, não?). A não ser que nos pautemos apenas no que a mídia hegemônica tem publicado. Mesma mídia que agora está ressaltando os aspectos positivos da Dilma. Acho que não dá pra buscar coerência nesses meios.

Também não destaquei muito que a maneira preconceituosa com que alguns conduziam o debate também me ajudou a perceber como se tretava de uma abordagem simplista e carregada de incoerências... Quem sabe em uma próxima vez eu complemento o meu agradecimento...

Meus mais sinceros agradecimentos! Continuem assim que irão reelegê-la em 2014 ;-)