sexta-feira, 9 de novembro de 2007

"Tenho sede"

Por Fernando Geronazzo

Há alguns dias fomos conhecer um lugar muito interessante onde é feito um belo trabalho. Fica no extremo da zona norte da capital, numa periferia muito podre de nossa arquidiocese.

Durante o longo percurso que percorremos entre o bairro do Ipiranga até o Jardim Peri, a paisagem ia se transformando, pode-se dizer que a cidade ia se despojando de sua aparente beleza e majestade para assumir uma realidade muitas vezes desconhecida, quando não esquecida pela grande maioria. Os prédios davam lugar às pequenas casas, muitas vezes de alvenaria sem o reboco nas paredes, ou aos barracos de madeira. As grandes avenidas se transformavam em pequenas ruas onde mal podia passar um carro. E estes, os carros, eram substituídos pelas carroças dos “catadores” de papelão e lixo reciclável.

Enfim chegamos ao nosso destino. Era uma rua à beira de um córrego que estava sendo canalizado. Fomos atendidos por um senhor que nos conduziu para uma capela muito simples. Já impressionava o crucifixo na parede com uma frase escrita ao lado: “Tenho sede”.

Logo chegou uma irmã, com traços indianos, muito tímida. Quando lhe pedimos para que falasse algo sobre a casa e seu trabalho, com simplicidade respondeu: “Eu não tenho nada para falar, venham e vejam!”. Ao ouvirmos esta resposta imediatamente nos veio à mente o que sempre dizia a Beata Teresa de Calcutá a quem lhe fazia a mesma pergunta.

Realmente Madre Teresa estava muito viva naquele lugar. Sua presença não era apenas sinalizada pela sua relíquia – seu fio de cabelo – na capela. Tudo tinha a marca e o odor de santidade desta grande mulher do século XX. Aquela irmã tinha os traços e a serenidade próprios do carisma nascido no coração da bem-aventurada madre.

Então fomos e vimos! Uma casa grande, porém muito simples. Fora construída em um terreno rochoso. Inclusive uma das rochas que não pôde ser removida tinha uma parte dentro da casa onde foi construída uma gruta para Nossa Senhora.

Logo avistamos mais irmãs, sorridentes, mas sempre com muito pouco para falar. A que fala um pouco mais era a Ir. Joana, a única brasileira na casa. Sua simplicidade era tão natural que logo que nos avistou já pediu que a ajudássemos a carregar um botijão de gás até o segundo andar.

Foi ela que nos contou que naquela casa eram atendidos cerca de 16 idosos, todos homens enfermos e abandonados por suas famílias. A grande maioria era trazida pelos hospitais da cidade. Estes idosos traziam em seus rostos e no corpo as marcas de uma história de abandono e de dor causados pela doença ou pela vida que tiveram.

Eram 3 horas da tarde quando as irmãs nos convidaram para rezar o rosário com eles, pois era um costume da casa. Durante a oração eu olhava pra um dos muitos quadros de madre Teresa que havia na casa. O que mais me chamava a atenção era o rosto e as mãos daquela mulher, com rugas fortes, sinais de uma pessoa que se consumira pelo trabalho, pelo Reino.

Ao mesmo tempo em que olhava para sua fotografia, eu observava os rostos daqueles homens acolhidos e percebia algo em comum: Teresa havia se identificado com aqueles a quem servia. Ela realmente se identificou com o Cristo pobre e sofredor. Madre Teresa não apenas ajudava os pobres, era pobre com eles. Não somente acolhia a quem sofria, era sofredora com os sofredores. E da mesma forma que por detrás daquele de seu rosto marcado nascia um encantador sorriso, era possível ver surgir novamente o sorriso no rosto daqueles homens.

Após a recitação do rosário fomos conhecer a parte da casa onde as irmãs residem. Era tudo muito simples, um pequeno corredor com um minúsculo refeitório, uma singela capela com o sacrário sobre as rochas, sem bancos nem cadeiras. O crucifixo com a marcante frase em inglês “I thirst” (tenho sede). A clausura era separada apenas por uma cortina. Materialmente elas não tinham nada.

Como já disse a Ir. Joana conversou um pouco mais conosco. Talvez pelo fato de ser brasileira, se bem que as outras irmãs, indianas, falavam muito bem o português. A irmã contou-nos que está na congregação das Missionárias da Caridade há 17 anos. Apesar de ser do interior de São Paulo, Ir. Joana descobriu sua vocação quando morava nos Estados Unidos. Estudava e trabalhava quando teve o primeiro contato com a Missionárias. ela também partilhou conosco que recebeu o seu hábito das mãos da própria Madre Teresa de Calcutá durante uma de suas visitas aos EUA.

As Missionárias da Caridade professam os votos de Castidade, Pobreza, Obediência e um quarto: “Servir de todo coração ao pobre mais pobre”. Também existe em outros países o ramo contemplativo da congregação, assim como o ramo masculino, com irmãos e até padres. Sua primeira casa no Brasil foi no bairro de Alagados em Salvador, Bahia. Hoje são 13 casas da congregação no país. As demais casas acolhem mulheres, crianças, portadores do vírus HIV e demais pessoas em situação de sofrimento. As irmãs nos disseram que o grande sonho de Madre Teresa e que ainda não se realizou era abrir uma casa na China.

Ir. Joana está há pouco tempo nesta casa. Quando lhe perguntamos se há algum tempo para ficar em cada casa, disse: “Não há tempo determinado. De repente podem nos ligar da casa regional e falarem para arrumarmos as malas e nos mudarmos. Malas! Nem temos isto, temos uma sacola”.

No final da tarde participamos de uma missa com todas as irmãs, os acolhidos e algumas famílias da comunidade. Foi uma linda celebração. Como é significativo participar da Eucaristia ao lado de pessoas que realmente vivem diariamente o sacrifício de Cristo. Estas mulheres saciam a sede de Nosso Senhor pendente na Cruz de maneira concreta, em cada um daqueles que sofrem a dor do abandono. Quando falamos de sede , não se trata apenas da sede material, mas a sede de amor, de valorização como pessoa humana, de Deus. Podemos dizer que os momentos antecederam aquela missa foram, de fato, momentos de união profunda com o mistério salvívico de Cristo.

Conta-nos a biografia de Madre Teresa de Calcutá que quando ela se deparou com um enfermo nas ruas de Calcutá que lhe dizia “tenho sede”, neste momento descobriu seu carisma. Nossa querida beata afirmara que ali, diante daquele homem ela fez o grande retiro de sua vida. Podemos dizer que este dia de visita às Missionárias da Caridade foi para nós um dia de retiro do qual saímos comprometidos a estarmos atentos para ouvir quando e onde Jesus repete insistentemente: “Tenho sede”.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Padre Júlio tem a solidariedade da Igreja de São Paulo


Arquidiocese de São Paulo

NOTA À IMPRENSA


A Arquidiocese de São Paulo manifesta sua satisfação pelo trabalho de investigação da Polícia, que resultou na prisão de várias pessoas acusadas de atos de chantagem e extorsão contra o Padre Júlio Lancelotti. Esse era um passo muito esperado e necessário para o prosseguimento das investigações e para que a verdade sobre as suspeitas levantadas contra o Padre possa aparecer.

Por outro lado, causam grande perplexidade as acusações levianas feitas contra o Padre Júlio, que é bem conhecido, há muito tempo, e sempre esteve em evidência na cidade de São Paulo; seu trabalho social foi sempre devidamente monitorado por quem de direito. Com seu valioso trabalho social em benefício de numerosas pessoas que vivem em condições de total exclusão social e, muitas vezes, em situações de marginalidade, e com seu trabalho religioso, ele sempre buscou ajudar essas pessoas a recuperarem sua dignidade, para uma adequada re-inserção social. Para isso, ele teve e tem o incentivo e o apoio da Igreja e também de grande parte da sociedade.

É bom recordar que foi o próprio Padre Júlio quem apresentou a denúncia à polícia de ele que estava sendo vítima de extorsão e, para isso, era chantageado, mediante a ameaça da acusação de pedofilia. Sobre isso foi recolhido farto material comprobatório. Lamentavelmente, de vítima, agora ele está sendo transformado em réu.

Toda pessoa deve ser considerada inocente, até provas em contrário. Aos acusadores cabe a responsabilidade de apresentar provas convincentes para suas acusações. E ninguém pode ser condenado, mesmo na opinião pública, antes do processo formal e sem ter tido a possibilidade ampla de defesa.

Padre Júlio tem a solidariedade da Arquidiocese de São Paulo, que confia no trabalho da justiça e estará acompanhando as investigações.

São Paulo, 27 de outubro de 2007

D. Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo


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